Morreu Guilherme Guimarães, o maior ícone da moda brasileira da atualidade

O APARTAMENTO DE GUILHERME É A NOSSA “RUE CAMBON” DE MADEMOISELLE CHANEL, DEVERIA SER TOMBADO COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO TAL E QUAL ELE ESTÁ

Morreu esta madrugada, 2h30m, em leito do Hospital Federal da Lagoa, o costureiro Guilherme Guimarães. Ele padecia de câncer no fígado. Maior ícone ainda vivo da alta costura brasileira, a alta costura que fez História, com quase seis décadas de atividade, aos 76 anos. Guilherme vestiu as grandes divas da sociedade, quando o high society de fato pontificava e servia de referência na moda. Carmen Mayrink Veiga foi sua maior admiração na elegância. Mas teve outras, como Thereza de Souza Campos, atual dona Thereza de Orléans e Bragança, Elisinha Moreira Salles, Lucia Flecha de Lima, Christiana Neves da Rocha.

Entre as clientes muito amadas, que se tornaram grandes amigas, destacou-se Yara Andrade, que o acompanhou até o último momento das providências para sua cremação. Carmen Mayrink Veiga e sua fiel escudeira Eliane, entre as amigas que buscaram dar conforto a Guilherme em sua doença. Ilde Lacerda Soares, mesmo longe, em São Paulo, jamais o abandonou, com seus quase diários telefonemas.

Guilherme tinha suas musas. Uma delas era Danuza Leão, que ele vestiu no filme de Glauber Rocha, “Terra em transe”. Outra, era Tônia Carrero, cujos guarda roupas de teatro assinou várias vezes. O mais importante foi o da peça “Constantina”, que lhe rendeu inclusive prêmios. Outras estrelas foram vestidas em cena por ele, como Simone, Gal Costa, Marília Pêra, Rosita Thomáz Lopes, Célia Biar, Vera Fisher, e também astros, como Paulo Autran.

Ele brilhou nos salões, no teatro, no cinema, e também no exterior. Seu primeiro desfile em Nova York foi em 1962, aos 22 anos. Depois vieram outros nos Estados Unidos. Com elogios dos exigentes editorialistas de  moda. Chegou a ter uma loja em Nova York, mas por breve tempo. O desapontamento foi logo substituído por uma vitória: o convite para ser o homem da Christian Dior no Brasil, selecionado para isso pelo próprio Marc Bohan . Fixou-se em São Paulo onde criou para todos os segmentos da marca Dior.

Ousou no prêt-à-porter, para a Vila Romana, nos anos 1970, e foi bem sucedido. Lançou seu jeans com metais GG no bolso posterior, antes de Humberto Saade lançar o dele, com Luiza Brunet. E a modelo de Guilherme foi Antonia Mayrink Veiga. Um jeans “justérrimo”, ele dizia, mas composto, sem vulgarizar a mulher.

Passou a vida cultivando a beleza, a elegância, o refinamento, Jamais se envolveu em intrigas, escândalos. Jamais teve seu nome vinculado a qualquer ato que pudesse ser considerado condenável por quem o conhecia ou o desconhecia. Era sensível, cultivava a leitura, viajar era sua alegria, selecionava muito os amigos, sobretudo pela inteligência e a confiança que pudesse depositar neles. Era divertido, bem humorado e espirituoso na intimidade, entre verdadeiros amigos. Un homme du monde. Perfeito para os salões. Impecável em seu próprio salão de moda.

Cada atelier seu era um cenário espetacular, que refletia seu momento de vida, sua personalidade. Ele pessoalmente decorava, viajava, garimpava antiquários pelo mundo afora, e montava seus universos particulares. Decorar era seu passatempo preferido. Chegou a decorar três endereços ao mesmo tempo: um apartamento no Rio, um em São Paulo, um em Nova York. Foi seu período de êxtase. Grande fase de sua vida.

O apartamento-atelier da Praia do Russel do costureiro (que era comparado por alguns colegas à Mademoiselle Chanel, pois, como ela, interrompeu 15 anos a atividade e retornou com glórias ao ofício) é a nossa “Rue Cambon”. Lindo, sofisticado, um deslumbramento, um luxo só em beleza e em representatividade histórica de um ícone insubstituível. Deveria ser tombado pelas autoridades da cultura, como Patrimônio Cultural, tal e qual ele está.

Guilherme sempre soube cobrar muito bem por seu trabalho. Sua agenda manteve-se sempre cheia, e ele, mesmo nos momentos finais, ainda era procurado por noivas querendo fazer encomenda, porém, neste último ano, já enfraquecido, pouco trabalhou. Como não tinha plano de saúde, os recursos foram se esvaindo.

Nos momentos finais, Guilherme, que tinha um particular apego pelos pobres, e isso está em seu livro “Memórias de um costureiro”, que estou concluindo junto com Ruth Joffily, e pretendíamos lançar com ele ainda vivo, precisou recorrer à rede pública de saúde. A querida Cecília Dornelles foi providencial. Assim, pude conhecer muito de perto o Hospital da Lagoa, obra de Oscar Niemeyer. Uma ironia caprichosa do Deus das Artes, que deve saber que a imprensa americana comparou os vestidos de Gui-Gui aos traços de Oscar Niemeyer.

O Hospital da Lagoa é bem superior a vários hospitais da rede privada, onde se internam famosos e coroados. Seus quartos, corredores, todos os espaços são limpíssimos. A enfermagem é carinhosa e competente. Nada falta. Os equipamentos para exames vão até os leitos dos pacientes. E o serviço médico é o do mais alto nível.

Deixo aqui o agradecimento a todos do Hospital da Lagoa e, como não sei seus nomes, vou destacar o dr. Marcio Ribeiro, que recebeu Guilherme na internação com todo o interesse. Agradecimentos extensivos às dedicadas enfermeiras particulares, Márcia e Kátia, que desde junho se revezaram acompanhando o tratamento do costureiro.

Sabem, eu estou muito triste, tristíssima. A moda brasileira perdeu um dos maiores talentos que já teve. O Brasil perdeu um grande artista. O Rio de Janeiro, um de seus mais ilustres personagens. A Academia Brasileira da Moda perdeu um membro importante. Eu perdi um amigo.

academia-brasileira-da-moda-_mg_0352Guilherme Guimarães recebendo seu diploma de membro da Academia Brasileira da Moda, desta jornalista, presidente da ABM

14 ideias sobre “Morreu Guilherme Guimarães, o maior ícone da moda brasileira da atualidade

  1. Certamente o Brasil perde um de seus grandes artistas. Lamentamos na esperança de que seja preservada a memória da OBRA deste grande criador de arte e beleza que por décadas nos fez sonhar…

  2. Li os dois textos sobre o Guilherme Guimarães. Meus pêsames pela perda do seu amigo; também à moda brasileira, que perdeu um grande profissional. Todo fim é triste. O que mais me chamou atenção foi o sofrimento físico – que fica claro no outro texto. A violência da doença é algo que cobre tudo como um nevoeiro… É triste que ele não teve como custear o tratamento, mas, diante da doença, com tanto sofrimento, o dinheiro, talvez, nem fizesse diferença – e no seu texto está claro que o hospital tem uma boa estrutura e a assistência dada foi “carinhosa e competente”. Quando o Yves Saint Laurent estava perto de morrer – e ele morreu rico -, as notícias eram sobre o sofrimento físico e o completo afastamento de todos, o total isolamento exigido enquanto consciente – O YSL sempre se isolou, é fato, mas no fim foi intenso. A morte pode ser “uma viagem solitária”, como já li certa vez, mas, pelo que li aqui, o Guilherme Guimarães não fez sozinho o percurso até o portão de embarque, ele esteve bem acompanhado por amigas que certamente fizeram o que puderam. RIP Guilherme Guimarães.

  3. Sou prima de Mariastella Splendore que foi casada com Dener. Me lembro ainda adolescente que ouvia Dener dizer que Guilherme Guimarães era o melhor, admirava-o muito.
    Pena que todos os grandes figurinistas estaõ morrendo e não aprece ninguém com o mesmo talento.
    Silvia

    • Silvia,
      concordo com você. Como ser humano Guilherme foi um homem universal. Além do incrível profissional tinha um sense of humour digno de um Lord Inglês, Sempre estarão presentes na minha memoria longos papos cheios de saber e bom humor. Lembra quando morava em São Paulo, o Guilherme era meu vizinho próximo. Ele deve estar ditando moda no paraíso explicando aos anjos que menos é mais em matéria de elegância e sofisticação.

  4. Linda homenagem à um Artista da Moda, que eu, modestamente, comparo aos grandes como Valentino, Oscar de La Renta, Christian Dior etc..não ficava nada à dever, pelo que sempre ví nas Revistas, e ao vivo no guarda roupa da amiga Fernanda Pedroza Peckzec, que nos anos dourados, só fazia roupas com ele! O que acontecerá com o tão belo apartamento?Não poderiam pelo menos fotografar para que todos desfrutassem de nossa “Rue Chambon”? E seu acervo? Irá para o Instituto Zuzu Angel? Uma exposição com suas roupas quem sabe?

  5. Lamento a perda de Guilherme Guimarães, uma referência no mundo da moda. Concordo que seu atelier deverá ser preservado.Sua crônica é um registro histórico e uma belíssima homenagem de reconhecimento ao talento desse inspirado estilista brasileiro.

  6. Eu fiquei abalado, pois não sabia que Guilherme Guimarães estava doente. Ainda esperava ver muitas coisas lindas imaginadas e criadas por ele. É uma perda irreparável, lacuna que não será preenchida e, com a sua morte, está declarada oficialmente o fim da alta costura brasileira.
    Parabéns pelo lindo texto-homenagem. Espero que o livro que está sendo preparado sobre o grande costureiro saia logo.

  7. So vc Hildegardangel pra des crever com mto sentimento à parti dans de um génie da Costa,meus sentimentos.

  8. ainda citei no mundo miss para vestir atual miss brasil 2016. no miss universo. lamento demais. não sabia do seu estado. é com muito dor mesmo.

  9. Minha querida mãe Mira Piva de Albuquerque foi sua grande cliente e amiga. O recepcionou muitas vezes aqui em Curitiba. Em seu e meu nome nossos sentimentos e orações pelo seu descanso.

  10. Perdemos um grande artista da moda brasileira, perdemos um vitorioso, perdemos uma pessoa muito querida.Ele agora está fazendo parte do seletíssimo grupo de pessoas no Cosmos. GG brilhe sempre mais e que não se esqueçam de seus sucessos !!!

  11. Hilde, cativante e emocionante teu sincero depoimento de quem sofre com a partida de um verdadeiro amigo.

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